Alguém está mentindo às crianças o tempo todo, e não sou eu. Estou tentando me reeducar. Não tem sido fácil. Até pensei em procurar um adestrador de cães. Pela manhã, quando caminhava pelas ruas transversais a Francisco Glicério, senti cheiro de carne moída no ar. Mais adiante, enquanto lia as manchetes de um jornal, exposto nas paredes do Café Regina, senti cheiro de batata frita e lembrei-me do meu antigo lar. Tenho me sentido perturbado ultimamente, provavelmente, mente insuportável. Há sempre um sujeito jovem, sujo e sorridente, com os dentes podres à entrada da cratera me pedindo fogo.

À tarde saí para caçar, e voltei sem nada encontrar. Peguei apenas um resfriado. As pessoas falavam o tempo todo sobre coisas que eu não queria ouvir. Coisas que até faziam algum sentido, mas que não me diziam respeito. E eu nem precisava ouvir, porque seria então apenas mais um normal.

O anormal segue pela calçada da esquerda, fingindo observar as vitrines das lojas, enquanto, na verdade, aproveitando um rápido momento do Sol entre as nuvens, olha para o outro lado da rua, através do reflexo nos vidros, interagindo com os moradores de rua.

Fabiano está sempre sentado em frente a Lojas Americanas, como um Buda negro. Ele sempre me sorri. O Esquizoide, um jovem alto e esquelético, com as unhas compridas e sujas, e que pela manhã sempre veste uma bermuda de tactel, me cumprimenta, fazendo sinal de positivo. À tarde ele se despe, atravessando a avenida de um lado ao outro, arriscando-se entre os carros em movimento, no que é acompanhado, da calçada, pelo olhar desentendido do seu inseparável cão amigo, o sonolento Duque.

Flying Gabinet às vezes tenho a impressão de estar vendo todo mundo pelo avesso, ou seria eu um alimento contaminado? Não sei porque, mas parece que quase todo mundo adora me fazer de idiota. A maioria das pessoas me conhece por Edward, mas na verdade esse foi apenas um disfarce que usei para ocultar a minha verdadeira identidade, a minha célula de insanidade - José Waffer, mais conhecido como Zé Paçoca. E assim por diante. Permaneço a maior parte do tempo livre para atuar em vários campos da atividade humana como se não percebesse nada, ou quase nada.  Por outro ângulo, quando caminhava pela rua do meio em direção ao escritório, ao passar defronte à agência do Satãdear, chupando um sorvete de uva, topei com o Sr. Travellko, que me deu carona e pediu uma chupada; ( Dei-lhe as costas para parar de ser besta e acessei as máquinas. Na volta cruzei com uma senhora que era a cara da Shakira, e que tentou me agarrar, perguntando meu nome. Apenas lhe respondi, dando de ombros, como se fosse surdo e mudo.